quarta-feira, março 28, 2007

À espera do poema, 2

Joana Homem da Costa

... ser das palavras a voz

grito d'alma em terra d'amor

ou grito d'amor em terra d'alma ...

Sandra Cardoso

terça-feira, março 20, 2007

À espera do poema,1

A.M. Pinto da Silva

... ouvi gargalhadas de sonho
e um sorriso lento espreguiçou-se em mim...

sábado, março 17, 2007

PELE

Pipoca

Quem foi que à tua pele conferiu esse papel
de mais que tua pele ser pele da minha pele

David Mourão-Ferreira


segunda-feira, março 12, 2007

Diálogos Soltos, 7

Marta Ferreira

-Em que é que estás a pensar?

-Em nada.


quinta-feira, março 08, 2007

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

O PREÇO DE UM SONO TRANQUILO OU O HOMEM QUE MORREU DE AMOR



Bart

Muitas vezes, misturo-me na multidão, para não pensar. Ouço as vozes, observo todas as pessoas que passam por mim, olho as montras, os preços, espero pelo sinal verde, atravesso estradas, ouço o barulho dos automóveis e, enquanto me distraio com o ruído, não me ouço, esqueço-me, quase me anulo na multidão. Porque a minha voz, quando me deito no silêncio da noite, a minha voz quase não acreditando que é minha, a minha voz a sugerir aos meus pais que colocassem a minha avó num lar, a minha voz a pedir aos meus pais que colocassem a minha avó num lar, a minha voz a impor aos meus pais que colocassem a minha avó num lar, não me dá tréguas. E só consigo adormecer quando ouço que era para bem deles, que a vida deles era um inferno, acordar às quatro horas da manhã e ver que a minha avó tinha colocado todas as roupas que possuía no chão e tinha feito uma trouxa e queria encontrar a porta para se ir embora e que eles não conseguiam dormir e que tinha arrancado a fralda e eram mais dois lençóis e um edredon, mais dois porque já tinha sido assim a semana inteira e que, além disso, tinham de ouvir os insultos da minha avó e os gritos e as agressões e que, no dia seguinte, a minha mãe tinha de trabalhar e que não podiam deixar de olhar para ela um segundo, porque ela podia fugir como já fizera tantas vezes, podia saltar novamente o muro da nossa casa e magoar-se, porque era melhor para ela, para eles, para mim ... Só assim é que eu consigo adormecer, por algumas horas, sabendo que antecipei a morte da minha avó, para salvar a saúde mental dos meus pais, porque, por muito bons que sejam os lares, ninguém trata melhor a nossa mãe, a nossa avó, do que nós...

Felizmente, os meus pais tinham algum dinheiro para pagar a prestação de um lar....estiveram à espera de vaga nos outros, nos do Estado, mas não havia...não havia... nos do Estado não há vagas para os idosos, o que importa os idosos? E os meus pais conseguiram pagar para terem um pouco de paz, (se é paz ir visitar a nossa mãe a um lar...).

Agora, uma outra imagem me atormenta, o desespero daquele homem obrigado a cometer um crime no final da sua vida, uma vida honrada, porque só um homem da altos valores poderia ter tamanho acto de amor, o desespero de não ter tido resposta de uma sociedade que aponta a justiça social como um dos seus valores fundamentais, o desespero de quem grita e não é ouvido. E atormenta-me saber que há tantos homens e mulheres e crianças que estão a gritar neste momento e eu estou aqui, com a cabeça na almofada, sem conseguir fechar os olhos, porque ouço o desespero da solidão daquele homem, ouço o seu grito mudo e sinto os tiros que entram em mim como sirenes de revolta ...

Assusta-me saber que não adianta pedir, reclamar, participar em manifestações, em greves...assusta-me esta impotência a que o cidadão comum chegou ...assusta-me que a única solução daquele homem tenha sido aquela, porque, acreditem, visto daqui e agora, continuo a achar que nós não tínhamos solução para aquele homem. E por isso não durmo. Não consigo, porque penso no estado das coisas e no Estado. Será que à noite, apagadas as luzes do dia, quando pousa a cabeça na almofada, o Estado consegue fechar os olhos e dormir um sono tranquilo?

Sandra Cardoso

p.s. esta reflexão vem no seguimento da notícia de um idoso que matou a mulher, doente de Alzheimer, e que se suicidou em seguida.


terça-feira, março 06, 2007

Pedro Rodrigues

Foi neste dia

Que desceste do céu e sopraste um brilho de luz no meu coração!


segunda-feira, março 05, 2007

RENTE AO CHÃO





A.M.Pinto da Silva

Sem nenhuma razão a voz rompia,

a rasteirinha voz tão rente à vida

que se confunde com a luz do chão,

a luz de março rastejando ainda.




Eugénio de Andrade

in O Outro Nome da Terra

Ed. Limiar, Out.1988, p. 29