quarta-feira, maio 23, 2007

terça-feira, maio 15, 2007

Juro que não

Paulo César


Não fui eu que te pedi
este abraço
Não fui eu quem te procurou
Foste tu, Vida, que estendeste teus braços
Foste tu que me ensinaste todos os passos de dança
do que não sou.
Não fui eu que te pedi,
Não fui, juro que não,
que eu só quero olhar o mar
sentada num cadeirão
e embalar o sol na tua canção.
Não fui eu que te pedi,
Não fui eu, juro que não,
nem orquestras, nem pianos,
nem guitarras, nem sopranos...
Já devias saber, Vida,
que me basta
um pardal a chilrear
junto do meu coração.
Sandra Cardoso

segunda-feira, maio 07, 2007

Balada das Quatro Meninas


Foto A.M. Pinto da Silva




As quatro meninas têm quinze anos.

Têm nas gavetas cadernos de escola

fechados à chave ...Têm nas gavetas

(que ninguém o sonhe!) as tranças cortadas

há dois ou três dias ...Têm quinze anos.


As quatro meninas têm namorados.

(Como gostam delas!...) As quatro meninas

sabem que são belas, que o juram aquelas

cartas escondidas entre os seios tímidos.


As quatro meninas sabem-se miradas.

Sabem da inveja que têm na praia

os outros rapazes dos quatro rapazes

que à tarde lhes dizem ... as coisas que dizem.

E as quatro meninas sentem-se felizes.


Chove ...chove ... chove... Esbeltas, à janela,

por detrás dos vidros, cismam as meninas.

-Que palavras meigas estarão escrevendo,

por detrás dos vidros, escutando a chuva,

os quatro rapazes, os quatro mais belos,

martes, mais ágeis, que existem no mundo?


As quatro meninas sorriem: bem sabem.

Sebastião da Gama
Campo Aberto, Ed. Ática

quarta-feira, maio 02, 2007

Poemas da minha vida, 1

Bart

A vida que não é vida

Caminhava.
E na esquina esburacada de uma casa,
duma casa já não casa,
vi os restos esqueléticos de um candeeiro antigo
que ali fora enforcado
e ali estava.
Mais à frente,
a um portal escancarado, sem portal,
havia lixo, um cheiro a gatos vivos, ratos mortos
e um murmúrio apagado, o fim real ...
mas, ali havia gente!

Depois, um cão, sujo, magro como os seus ossos.
E, depois, uma criança que me olhava.
Que me olhava!
Uma criança!
Uma criança que não era criança
mas que tinha pezitos nus trilhados na pedra
côncava daquele chão que não tinha chão;
Uma criança que não era criança mas que tinha olhos,
olhos tristes,
tão tristes que entristeceram os meus;
Uma criança que não era criança, mas que tinha voz,
uma voz quase sem voz, mas que eu ouvia!
E ali estava o ser, ali vivia;
Era uma vida que sofria, comédia que arrepia ...

Como é possível, meu Deus?!

Corri louco para trás,
gritei quanto fui capaz
mas o mundo não me ouvia.

Ameacei satanás;
Mostrei a Deus quem sofria
pedindo amor, pão e paz,
mas também ninguém me ouvia!

E tudo há tanto tempo se passou
e a sorte da má sorte, não mudou!

sérgio O. sá

Do Banco do Jardim, Poemas
Ed. do Autor, Maio 1977, pp. 58-59