Estás ali: quando a terra acaba
Começas tu – mar meu
Como fico extasiado só de te ver assim calmo, ondulado na minha paisagem
Eu sou terra, tu és mar
Aventurei-me a navegar nas tuas águas serenas
A embarcação era frágil mas carregava cheia, vontade
E fui
Teu coral reflectia o encanto interior
E será sempre bonito a qualquer olhar lúcido
Nas ondas da paixão me entreguei
Balancei atordoado
Sinto que já não sou terra no barco mas só água – tua
Fiz-me líquido para me moldar às tuas formas
Que bem que fiquei
Coexisto alagado, sem querer regressar
Contigo flutuo sem sequer saber nadar
Deste-me a mão
Levaste-me na tua corrente a passear às profundezas
Perdemo-nos mutuamente
Depois pingamos fragmentos de felicidade
E continuamos assim molhados de saudade
Na insossa realidade esvaída de arte
Dedicaste o poema sentido
Levei a música ao teu festival
E tudo isto ficou pintado com tuas cores no vitral...
O farol adivinha tempestades
Pois que adivinhe, eu prefiro-te a ti
Apenas importa que não percas o teu sorriso lindo
Mar meu: não consigo ignorar-te
Tenho sede da tua água que nunca me basta
Ao menos, espero um dia consintas afogar-me em ti
E fazer parte do teu líquido estrutural
Sei que na tua imensidão oceânica
Abraças outras praias, outras terras
E como tenho inveja, ciúme dessas felizes areias acariciadas
Queria ser um rio – o único - que te enchesse de recordações
Mas existem outros (mais importantes) que também aspiram a essa felicidade
Não posso competir e existo só para verificar que cuidas de ti
No limiar das forças procuro o sal da tua alma
Que me tempera a existência
E não receio engrossar uma fila
Num qualquer consultório de hipertensos
Sim, fiquei viciado em ti
Na substância que te corre nas veias e alimenta o nosso mundo e outros
Sou dependente
Mas um maremoto devolveu-me à condição esquecida
Agora, quero apenas esperar na tua praia
E sonhar que voltes numa próxima maré...
Celso Silva
2004
2 comentários:
Não sei, sinceramente, explicar porquê mas, entre o o previsível e o sublime, este poema cativou-me...
Quase sempre me revi, não certa de (sempre) o ter compreendido de forma consciente...
...mas a poesia tem destes encantos!
Nunca se está só com o mar... ele preenche-nos!
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