quarta-feira, dezembro 13, 2006

MAR MEU

Rafael Almeida


Estás ali: quando a terra acaba
Começas tu – mar meu
Como fico extasiado só de te ver assim calmo, ondulado na minha paisagem
Eu sou terra, tu és mar

Aventurei-me a navegar nas tuas águas serenas
A embarcação era frágil mas carregava cheia, vontade
E fui

Teu coral reflectia o encanto interior
E será sempre bonito a qualquer olhar lúcido
Nas ondas da paixão me entreguei
Balancei atordoado
Sinto que já não sou terra no barco mas só água – tua
Fiz-me líquido para me moldar às tuas formas
Que bem que fiquei
Coexisto alagado, sem querer regressar
Contigo flutuo sem sequer saber nadar
Deste-me a mão
Levaste-me na tua corrente a passear às profundezas
Perdemo-nos mutuamente
Depois pingamos fragmentos de felicidade
E continuamos assim molhados de saudade

Na insossa realidade esvaída de arte
Dedicaste o poema sentido
Levei a música ao teu festival
E tudo isto ficou pintado com tuas cores no vitral...

O farol adivinha tempestades
Pois que adivinhe, eu prefiro-te a ti
Apenas importa que não percas o teu sorriso lindo

Mar meu: não consigo ignorar-te
Tenho sede da tua água que nunca me basta
Ao menos, espero um dia consintas afogar-me em ti
E fazer parte do teu líquido estrutural

Sei que na tua imensidão oceânica
Abraças outras praias, outras terras
E como tenho inveja, ciúme dessas felizes areias acariciadas
Queria ser um rio – o único - que te enchesse de recordações
Mas existem outros (mais importantes) que também aspiram a essa felicidade
Não posso competir e existo só para verificar que cuidas de ti

No limiar das forças procuro o sal da tua alma
Que me tempera a existência
E não receio engrossar uma fila
Num qualquer consultório de hipertensos

Sim, fiquei viciado em ti
Na substância que te corre nas veias e alimenta o nosso mundo e outros
Sou dependente

Mas um maremoto devolveu-me à condição esquecida
Agora, quero apenas esperar na tua praia
E sonhar que voltes numa próxima maré...


Celso Silva
2004

2 comentários:

Unknown disse...

Não sei, sinceramente, explicar porquê mas, entre o o previsível e o sublime, este poema cativou-me...

Quase sempre me revi, não certa de (sempre) o ter compreendido de forma consciente...

...mas a poesia tem destes encantos!

mfc disse...

Nunca se está só com o mar... ele preenche-nos!