terça-feira, julho 17, 2007

Fragmentos, 2

Miguel P. Dias


Era um tempo em que não havia tempo. Eu vivia tardes soalheiras num jardim recortado de sonhos, onde criava a minha história com múltiplas personagens imaginárias… sozinha, perdida entre flores, pássaros, formigas…havia também o baloiço, na roda que puxara a água e que ainda rodava, esquecida do tempo…

O meu tempo era o tempo que a formiga levava a percorrer a minha mão e a subir os dedos que lhe apareciam pela frente. Sem nunca contornar os obstáculos…enfrentava-os…Terá começado aí a minha mania de filosofar (ou será que já nascemos assim?)… A formiga, frágil ser em meu poder, não desistia.

Tenho a certeza hoje da importância dessa aprendizagem na minha vida, da importância de ter vivido essas tardes sozinha, mas não solitária, da importância da natureza, do silêncio…e do tempo para pensar.

Mas que fazemos nós, agora, aos nossos filhos? Roubamos-lhes o tempo…queremos que estejam ocupados, inscritos em actividades em todos os dias das férias e até nos esquecemos de que precisam de tempo…para crescer.


Sandra Cardoso





12 comentários:

Unknown disse...

ola Sandra
bastante pertinente esta tua questão.
um beijinho do joão

Catarina Alves disse...

Olá Sandra...

gostei muito deste texto.

Um beijinho grande

Nani

DE-PROPOSITO disse...

O tempo sem tempo.
.............
As formigas, que histórias se podiam contar. A formiga, simbologia da pessoa que trabalha, e a cigarra, simbologia do preguiçoso.
_Mas será que é mesmo assim?!... Talvez o senso comum assim pense, mas a cigarra é uma artista, e possívelmente com mais mérito do que a formiga.
Fica bem.
E a felicidade por aí.
Manuel

Som do Silêncio disse...

Olá!

Gostei muito de te ler.
(aliás, gosto sempre)

Beijo Silencioso

Alberto Oliveira disse...

... já pouco tempo nos resta para reflectir e o tempo torna-se cada vez mais precioso, contável, economicamente contável. Desperdiçá-lo é atirar à rua, centenas, milhares, milhões de euros. Imagine-se um país de filósofos. Dificilmente teria lugar na União Europeia. Filosofar não resolve o problema do défice, muito menos a localização do novo aeroporto ou do alta velocidade. Um filósofo é um entrave, uma peça a mais, na bem?! congeminada máquina democrática do tempo actual. Por isso, é urgente que mais dia menos dia, todos os putos deste país tenham um computador para navegar... o dia inteiro. Quais barcos de papel, ou mesmo a remos, quais olhares e pensamentos enlevados para a natureza, quais leituras de poetas (outros que tais; que mais atrasam que adiantam, programas governamentais simplex´s & computadorex´s)que fazem das palavras música para os nossos ouvidos, mas não alimentam a feroz e titânica luta da competitividade profissional.
Há-de chegar um dia, em que o tempo (o nosso tempo de ter tempo para nós) será qualquer coisa condenável, subversiva. E ái daqueles que não se acautelarem e guardarem -em caixas de fósforos, por exemplo, pedaços do tempo em que tinham tempo para sonhar. Revisitar esse tempo, até poderá dar prisão provavelmente. Mas que se dane! Vai saber bem.


beijinhos.

mariana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Menina do Rio disse...

O tempo é o senhor das horas...

Beijo

Anónimo disse...

(...)"À uma e cinco, o chefe da estação fez a chamada final para os passageiros com destino a Paris. O comboio tinha começado já a deslizar pela plataforma quando Julián se voltou para se despedir do amigo. Miquel Moliner contemplava-o da plataforma, com as mãos enterradas nos bolsos.

- Escreve - disse.

- Assim que chegue, escrevo-te - replicou Julián.

- Não. A mim, não. Escreve livros. Não cartas. Escreve-os por mim. Pela Penélope.

Julián assentiu, só então se apercebendo do muito que ia sentir a falta do amigo.

- E conserva os teus sonhos - disse Miquel. - Nunca se sabe quando irás precisar deles.

- Sempre - murmurou Julián, mas o rugido do comboio já lhe tinha roubado as palavras." (...)

Carlos Ruiz Zafón, in "A sombra do vento", 8a Ed., Dom Quixote (2006).

Unknown disse...

beijinhos...

Anónimo disse...

parabéns pelo blogue. já o leio a algum tempo, mas só agora tive coragem para escrever...

Unknown disse...

Isso de contornar obstáculos...
Temos por cá alguns artistas nisso. Olha por exemplo o nosso primeiro.

Mas por vezes tem mesmo que ser, porque senão os contornarmos, ficamos com muitos ferros no "cachaço", como os touros na arena.

mariana disse...

... e os filhos dos homens que nunca foram meninos?
Obrigada Sandra