
O meu coração desfaz-se em pétalas mil
Lanço-as ao vento
Talvez um pássaro passe
E as leve
Suavemente
E as solte
Talvez
E ternamente
O meu coração
Floresça
Num sorriso fértil.
Sandra Cardoso
quantas vezes, olhando as estrelas, não as viste, porque não querias
imagem de Alexandre Costa
A tua morte é sempre nova em mim.
Não amadurece. Não tem fim.
Se ergo os olhos de um livro, de repente
tu morreste.
Acordo, e tu morreste.
Sempre, cada dia, cada instante,
a tua morte é nova em mim,
sempre impossível.
E assim, até à noite final
irás morrendo a cada instante
da vida que ficou fingindo vida.
Redescubro a tua morte como outros
descobrem o amor,
porque em cada lugar, cada momento,
tu estás viva.
Viverei até à hora derradeira a tua morte.
Aos goles, lentos goles. Como se fosse
cada vez um veneno novo.
Não é tanto a saudade que dói, mas o remorso.
O remorso de todo o perdido em nossa vida,
coisas de antes e depois, coisas de nunca,
palavras mudas para sempre, um gesto
que sem remédio jamais teve destino,
o olhar que procura e nunca tem resposta.
O único presente verdadeiro é teres partido.
Adolfo Casais Monteiro
(Excerto)
À memória de Raquel Moacir
in Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa
de Eugénio de Andrade
Campo de Letras, 3ª ed., p.438
"O hospital é um gigantesco edifício atravessado por corredores , onde nunca é de noite nem muda a temperatura, o dia deteve-se nas lâmpadas e o Verão nos aquecedores. As rotinas repetem-se com ardilosa precisão; é o reino da dor, aqui chega-se para sofrer, assim o compreendemos todos. As misérias da doença igualam-nos, não há ricos nem pobres, ao atravessar este umbral os privilégios desfazem-se em fumo e tornamo-nos humildes."
Cansado do movimento
Que percorre a linha recta
Fui ficando mais atento
Ao voo da borboleta
Fui subindo em espiral
Declarando-me estafeta
Entre o corpo do real
E a veia do poeta
Mas ela não se detecta
À vista desarmada
E o sangue que lá corre
Em torrente delicada
É a lágrima perpétua
Sai da ponta da caneta
Vai ao fim da via láctea
E cai no fundo da gaveta
Ai de quem nunca guardou
Um pouco da sua alma
Numa folha secreta
Ai de quem nunca guardou
Um pouco da sua alma
No fundo de uma gaveta
Ai de quem nunca injectou
Um pouco da sua mágoa
Na veia do poeta
Carlos Tê/Rui Veloso
in A espuma das Canções
2005 EMI Music Portugal, Lda
Escorro-te por entre os dedos
Lentamente
Numa última carícia
Lembrando tardes de Junho
Quente
E tu sentes.
E não juntas as mãos
Em concha
Para me beberes.