quarta-feira, março 26, 2014

A tua voz entra em  casa como um beijo
de príncipe de um reino longínquo
E sem saber, pega na caneta e canta
este poema para o futuro
Vejo-te a escrevê-lo com olhos estonteantes de estrelas
e as mãos tremendo verdades ancestrais
louco o cabelo e o corpo
pedindo mais
qual animal sedento de amor.
Paciente, cubro-te de abraços e espero que regresses
À tua condição.
Só depois me olhas.

Sandra Cardoso









domingo, janeiro 06, 2013

Na minha rua não passa o mar
Os meus vizinhos não são músicos, nem poetas, nem meus amigos
E é por isso que a minha rua é muito triste.

06.01.2012
sandra cardoso




Desmantelamento de um rio



Arranco os autocolantes da parede do quarto do nosso filho,
como se a faca eléctrica da cozinha me atravessasse o braço.
Sou eu que apago os seus desenhos na parede. Não são riscos,
são desenhos. Há lápis de cera espalhados e partidos pelo chão.
Depois de nós, esta morada terá outros nomes e chegarão cartas
pacientes à caixa do correio. Agora, são impossíveis de imaginar,
como o nosso ontem será impossível de imaginar. Foi aos poucos
que ficou apenas o sofá e as recusas e os armários esventrados.
Foi muito demoradamente que chegaram as noites em que durmo
no sofá, sob um cobertor oferecido pela minha mãe ou pela tua.
Por fim, tenho tempo para habituar os olhos às sombras e avaliar
a devastação, acordar com o frio da madrugada, o esquecimento,
e assistir àquela hora azul em que já não é de noite, mas em que
ainda falta tanto para ser de dia. Despejo no fundo de um saco
tudo o que está naquela gaveta que nunca ninguém arrumou.
À minha volta, há caixotes que servem para guardar os livros,
já estão divididos. Escolho o lugar para pousar os pés. Fizemos
coisas nesta sala vazia, tivemos pensamentos, aprendemos
alfabetos. Resta-me agora o que sempre tive e, como se caísse
desamparado na banheira, prossigo e continuo o meu trabalho,
como se batesse com a cabeça na esquina de uma gaveta,
prossigo e continuo o meu trabalho.


(Lisboa, Junho de 2007)
José Luís Peixoto
saudades do céu estrelado

quinta-feira, dezembro 06, 2012

sexta-feira, outubro 19, 2012


Ainda não sei quando vou à Rússia, mas já estou a aprender Russo! God help me!

sábado, setembro 29, 2012



Temo que se escrever uma palavra que seja sobre esta imagem a vá estragar. E não é bela por ter sido eu a fotógrafa. Tudo nela é perfeito. Os azulejos gastos mas persistentes, a ferrugem a querer beijar o rendilhado do portão, o romantismo do arvoredo atrás e mesmo as flores debruçadas no muro e a espreitar pelo portão. O cadeado adensa o mistério: o que terá acontecido a Emília?


sandra cardoso
texto e foto

vila nova da telha,  julho 2012

terça-feira, setembro 25, 2012

Diálogos soltos, 26


- Mãe, tenho medo de me esquecer da língua portuguesa.

segunda-feira, setembro 24, 2012

mar

Em sonhos te contemplo
azul e sonoro
como se te ouvisse da minha janela
que abre para ti

E passa-me o enjoo matutino de saber tudo igual
a amanhã, a ontem e a hoje
passa-me só por um bocadinho
para continuar a  procurar por entre as caras formatadas
uma palavra tua


Fujo do brilliant
sabes que sou ordinária na forma de respirar ou até menos

Pegas em mim, pedes-me amor.
e dizes-me que és feliz. Às vezes
também sou.Às vezes.
Depois tomo um comprimido
e passa.


sandra cardoso
12.09.2012









Cansada...
olhar parada o buraco
fundo
a abrir-se
no nada
profundo
e ver surgir a fada
sem varinha nem
farinha mágica
os bolos aguardam nas receitas antigas
a hora

quarta-feira, setembro 12, 2012













"Não posso desesperar da humanidade..."
Não posso desesperar da humanidade. E como
eu gostaria de! Mas como posso
pensar que há povos maus, há maus costumes?
A América é detestável. Mas deu - americanos -
Walt Whitman e Emily Dickinson. Posso
não confiar neles? A Rússia é
detestável. Mas Tolstoi é tão russo!
São maus os japoneses? Como podem
sê-lo, se têm Kurosawa e o Sr. Roberto
que me vendia hortaliças no Brasil?
E o meu Brasil tão infeliz amor, e tão
ridículo? Mas não são brasileiros Euclides
e o coração dos meus amigos? E
Portugal, como pode ser mau e detestável,
se mesmo eu que amo sobretudo o vário mundo,
o amo - ao mundo - como português?
A humanidade e as pátrias são uma chatice, eu sei.
Mas como posso desesperar delas, desde que
não sejam para mim o gesto ou as sardinhas,
o feijão ou o sirloin, ou a terrível capa
dos usos e costumes, da vaidade,
mas uma forma de ser-se humano e solitário
acompanhadamente?
 

30/10/1965
Jorge de Sena

domingo, setembro 02, 2012


De repente, abandonados ao acaso,
passamos a ser inúteis seres sem asas
com medo da escuridão eterna.
E arrependemo-nos de não nos termos abraçado.

domingo, agosto 05, 2012


Arquivei hoje de manhã o teu coração na pasta dos documentos importantes que levo comigo. Pu-lo dentro de uma mica e procurei a data apagada pelo tempo. Lembras-te há quanto tempo o desenhaste? Quantos anos tínhamos?


domingo, julho 01, 2012

sábado, junho 30, 2012

Diálogos Soltos, 25


sandra cardoso


- O que queres ser quando fores grande?

Escola de Música de Lavra
 junho 2012

segunda-feira, junho 04, 2012

Não tenho paciência para mais um euro...o que é que os jogadores comem, quantas vezes vão à casa de banho, a quem telefonam, que jogos de PS3 preferem, até que horas dormem ... 

domingo, junho 03, 2012

há entre mim e o mar a cumplicidade antiga
dos amantes que não sabiam o que era o amor




sandra cardoso






quarta-feira, maio 30, 2012

diálogos Soltos,24


 - Nem sabes o que perdes, se não vieres.
 - Mas sei o que perco, se for.

R&S

segunda-feira, maio 28, 2012

Illusion

sandra cardoso

terça-feira, maio 08, 2012


A chuva traz-me a nostalgia...Ter visto o episódio 2 da temporada 11 do American Idol ainda agravou o meu estado...Saudades... Raiva de ter saudades de tudo!


segunda-feira, maio 07, 2012

Dia da mãe


Sandra Cardoso


-  Para que servem as flores?



sexta-feira, abril 20, 2012

Diálogos soltos, 23

- Não penses mais nisso.
- Quem me dera!

domingo, abril 01, 2012

Domingo de ramos

sandra cardoso

agudela, abril 2012

No sense



A vontade de morrer surgia à noite. Sozinha, em casa, cansada da televisão, o amanhã não existia e apenas permanecia uma vontade de acabar com tudo de uma vez. Também não sabia por que sofria...fosse da solidão, fosse de outra coisa, loucura talvez, as lágrimas não paravam e pensava que a vida não tinha razão de ser...os medicamentos, a faca, o gás ... era tudo tão fácil! Sentou-se na poltrona cuidadosamente colocada em frente à janela. Por fora, a hera espreitava lá para dentro e Soraia ganhara-lhe amizade. Aquele era, sem dúvida, o seu recanto favorito. Por trás, a estante carregada de livros que libertavam espíritos noturnos... Havia comprado aquela casa com a condição de ficar com a mobília e com os livros. Pertencera a um poeta e os livros lá encontrados valiam uma fortuna. Tudo primeiras edições. A sua janela dava para uma praça por onde passavam as mulheres daquela vila com molhos de flores nos braços, rumo ao cemitério. A expressão era sempre grave, quando iam e quando vinham. Terra de pescadores e de mulheres fortes. Ela é que era fraca e não aguentava mais aquela clausura. Apetecia-lhe sair, mas não tinha família, nem amigos...já ouvira falar em Internet, no facebook e da facilidade com que nasciam amizades, mas nunca se deixara levar por conversas. Agora, a felicidade daquele casal estampada na montra da loja de informática atormentava -a aos poucos...eles que usam a tecnologia são felizes; eu que sempre a recusei serei eternamente infeliz. 

Soraia era uma mulher única...se tivesse pensado como todas as outras pessoas ( se a tecnologia os faz felizes, vou comprar um Ipad para  ser feliz) a esta hora ainda estaria viva e, seguramente, com mais de uma centena de amigos.

sandra cardoso(foto e texto)

domingo, março 25, 2012

Um significado para a foto anterior

A discussão não terminara. As discussões nunca terminam. Deixa-se simplesmente de falar. Vira-se as costas. Desiste-se. Por momentos parece que tudo fica resolvido, mas no fundo tudo fica por dizer.
Cheguei nesse momento. No momento em que ele virava as costa, porque não adiantava. Eram diferentes e ponto final. E ele tinha de ir trabalhar.
-Dulce, ... - chamei baixinho.
Dulce não me respondeu. Nem sequer me olhou, presa ao seu sonho.
-Dulce, ... - insisti.
Toquei-lhe. O corpo rígido, frio, petrificado. A seu lado, um papel suplicava baixinho "Ajuda-me a ensiná-lo a sonhar."
Tirei a foto e enviei-lha, na esperança de ele perceber a importância do sonho na vida da mulher.

sandra cardoso




sexta-feira, março 23, 2012

Diálogos Soltos, 22






                                                                 
                               sandra cardoso

          - Qual é o significado desta foto?
          - Nenhum.

r&s







terça-feira, fevereiro 21, 2012


Todos os dias vendia sonhos às crianças...dava-lhes o que os pais não conseguiam dar...um dálmata, uma lua, um sol, um tigre, uma borboleta, um homem aranha, um coelhinho...Ela, que tinha o poder de realizar os sonhos dos miúdos, nunca tinha realizado o seu. Já tinha até procurado no meio dos balões, mas o seu havia-se soltado, há muito. Restavam-lhe aqueles momentos mágicos no meio da praça. Agarrada aos sonhos dos outros, Cristiana acompanhava o guitarrista com uma voz inaudível, um mexer de lábios imperceptível e, por momentos, só por breves momentos, largava os balões e partia à procura de si.

sandra cardoso
texto e foto

segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Vou ter tantas saudades

do Festival de Teatro Cómico da Maia

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Vou ter tantas saudades


da minha casa,
quantas vezes já te disse que adoro a minha casa?

da minha escola

dos passadiços

dos meus livros

da meia de leite

do meu mar

da minha praia

das minhas lojas

do majestic

das correntes

da língua portuguesa

quarta-feira, fevereiro 08, 2012

Quando era pequena, costumava imaginar como é que eu seria  no dia 8 de fevereiro de 2012. Lembro-me de pensar se estaria velha, se teria filhos, se teria um marido, casa, carro, qual seria a minha profissão...Hoje, 8 de fevereiro de 2012, sei as respostas. 

domingo, janeiro 08, 2012

Na tarde, o momento recolhe com o frio
e brinda com o silêncio do olhar

caminha de olhos fechados
e vê a lua
muda 

não olha para trás, 
como tu.




segunda-feira, outubro 10, 2011

domingo, outubro 09, 2011

sandra cardoso

Tinhas-me dito que tudo o que vinha nos meus livros era mentira. Quase acreditei!

quarta-feira, outubro 05, 2011

sandra cardoso

Ainda esperei que fosse aborrecido lê-lo pela segunda vez, ...

domingo, outubro 02, 2011

Diálogos soltos,21

Sandra Cardoso

- E como é que sabes que é esse o caminho?
- Não sei...

sábado, outubro 01, 2011

Sandra Cardoso

Sabe lá há quantos anos o conhece!...Desde que se lembra que ele está ali, preso naquela torre, a dar-lhe música! Mas hoje de madrugada, inclinou-se até à torre e acordou-o  com a voz mais doce que tinha "Hoje é o dia Mundial da Música! Não achas que este dia merece um pouco de ... silêncio?"  O sino ficou a olhar para as folhas da palmeira que entravam pela primeira vez na sua casa e tocavam o seu corpo. Sentiu um arrepio, mas fez um esforço hercúleo para não tocar um som. Quantas vezes a olhara de soslaio e invejara a sua vida de bailarina. Ela era tão feliz! Dançava quando lhe apetecia, sem horários nem compromissos ... Ele, pelo contrário, preso aos minutos, obrigado a tocar de quarto em quarto de hora, nos funerais, nos casamentos...

Um dia de silêncio, de liberdade, de paz... Talvez merecesse.

 A fotógrafa, que por ali passava, encantada com aquela conversa, nem sequer teve tempo de registar o momento em que a palmeira ajudou o sino a descer da torre e o levou ao mar a molhar o pé.



quinta-feira, setembro 29, 2011

Podia ficar a noite toda a teu lado
sem dormir
cabeça pousada no teu peito
a ouvir o som que trazes em  ti
e que tantas vezes me faz sair palavras dos olhos
porque os lábios tremem perante o teu respirar
mas tu não sabes
porque o sono te leva
e eu deixo

sandra cardoso


sexta-feira, setembro 02, 2011

Diálogos soltos, 20

sandra cardoso

- Agora é a tua vez. O que é que gostas mais em mim?
- A tua idade.


sexta-feira, agosto 05, 2011

domingo, julho 31, 2011

Diálogos soltos, 19


- Que estás a fazer?
- A pintar as unhas.
- Para quê?

R&S

terça-feira, julho 26, 2011

Paixões


Há aqueles que nem dão conta do tempo passar e há aqueles que dão conta de passar tudo: uma folha que surge repentinamente na janela e, no mesmo instante, desaparece; um pássaro estrangeiro que pousa incauto no parapeito; o som do riso das crianças; o navio que se despede lentamente; o avião que ensaia os voos futuros; o choro da vizinha do lado; os gestos do casal que discute na praia; o assobio da empregada, ... Tobias tinha o que muitos dariam tudo para ter ... tempo. Tempo, tempo e mais tempo... 24 horas vezes 12 anos preso naquela casa... Claro que não lhe faltava nada: tinha comida, bebida, cama e roupa lavada... de que mais precisaria ele..."Quem me dera ser gato! Passar a vida a comer e a dormir!" exclamava frequentemente o seu dono. Mas, se ele soubesse! Se ele passasse dias inteiros sentado no parapeito daquela janela a imaginar como seria o vento a bater-lhe no focinho e a empurrá-lo para trás, como seria  subir a uma árvore e espreitar um ninho ou, simplesmente, como seria correr atrás de um rato! Como seria encontrar alguém e apaixonar-se e, como seria... A sua sorte é que aprendera a ler cedo e, assim, podia entreter-se e entreter o tempo e até, como chegara já a suceder, apaixonar-se verdadeiramente por uma gata, fictícia.

Sandra Cardoso
texto e foto

terça-feira, julho 05, 2011

Dá que pensar, 16

Estranhamente, Beckman parecera aceitar a situação. Erika sempre fora franca em relação aos seus sentimentos por Mikael, e dissera ao marido logo que os dois tinham recomeçado a relação sexual. Talvez fosse preciso ter alma de artista para lidar com uma situação daquelas, alguém tão embrenhado na sua criatividade, ou talvez apenas tão embrenhado na sua própria pessoa, que não se revoltasse ao saber que a mulher dormia com outro homem. Ela chegava inclusivamente a dividir as férias de modo a poder passar duas semanas com o amante  na pequena casa de Sandhamn. Mikael não tinha grande opinião a respeito de Greger, e nunca compreendera o amor de Erika por aquele marido complacente. Mas sentia-se feliz por ele admitir que ela podia amar dois homens ao mesmo tempo.

in Os homens que odeiam as mulheres, Stieg Larsson, Oceanos, junho 2010, pp.62-63

segunda-feira, maio 23, 2011

La chercheuse

R de rien


Não desiste, diziam as empregadas umas para as outras, há nove anos que anda assim, à procura do par ideal...



terça-feira, maio 17, 2011

to a.


 renato cruz

sei que há terramotos que tiram tudo às pessoas
sei que há sismos que tiram tudo às pessoas
sei que há maremotos que tiram tudo às pessoas
sei que há furacões que tiram tudo às pessoas
sei que há doenças que tiram tudo às pessoas
sei que há guerras que tiram tudo às pessoas
sei que há vendavais que tiram tudo às pessoas

mas não sabia que uma palavra
tua
tinha a força de uma catástrofe
em mim

sandra cardoso


quinta-feira, novembro 04, 2010

Diálogos soltos, 18

- Podias ser meu filho!
- Mas não sou.

L&J

segunda-feira, junho 28, 2010

josé (saramago)

Só hoje te chorei

José

Andei contigo dentro de mim

A despedir-me

e dói-me escrever isto

tanto

tu tinhas-me avisado

é verdade

mas a esperança ...
tu sabes, José...
imaginava que um dia iria ser

aconteceu o mesmo com o miguel, com a sophia, com a rosa
 e agora tu, José

também foste

… feliz?

A mim deste-me

O coração das palavras
ainda o sinto a pulsar em mim
esse não se vai, josé,


Quem me dera poder continuar a mentir-me

Mas a verdade é só uma

Só hoje te chorei

josé

 
sandra cardoso

quarta-feira, maio 19, 2010

Diálogos soltos, 17

- O céu está com uma cor espectacular, não está?
- Está?

domingo, maio 09, 2010

Como queres tu que a lua cante


Para te embalar em sonhos azuis

Se não fechas a cortina ao sol?

Dizes "são horas de dormir"

mas não insistes para que feche os olhos

e até gostas,

confessa (só para mim),

que ele leve toda a noite a brilhar

quinta-feira, maio 06, 2010

desencontros


Gostava de te encontrar num poema,
no início de um poema
ou até mesmo antes
no momento em que o poeta
recolhe as palavras
ou até mesmo antes
no momento em que as palavras desejam
que o poeta lhes desenhe uma alma
a lápis de carvão.

Gostava tanto de te encontrar num poema
de amor
para que visses com teus olhos mecânicos
a palavra a abrir-se
em flor ou  montanha
em brisa ou  tufão
em amora ou açafrão
em rosa, em beijo, em revolução ...

Gostava mesmo que te encontrasses num poema de palavras
dispostas a travar a engrenagem mecânica
com que olhas para o amor
dos livros de poemas.


sandra cardoso
poema e foto

domingo, maio 02, 2010

Dia da Mãe


Eu continuo a vê-los crescer, e eles ... o que verão?

sábado, maio 01, 2010

Não podia dizer que não estava nervosa ... não sabia se teria a voz exacta para aquelas palavras tão anteriores a si, pensadas em tempos escuros e ditas tantas vezes na procura da luz…respirou fundo e invocou todas as forças para que se unissem e fizessem a sua voz sonora… não sei se os presentes notaram ou se terá mesmo sido imaginação da fotógrafa, mas bastou a primeira palavra para que os livros começassem a voar, como gaivotas…

sandra cardoso
(foto e texto)

quinta-feira, abril 29, 2010

Curiosamente, vi o filme antes de terminar o livro ...o filme apresenta um final aberto;o livro um final fechado, cruelmente fechado. E é claro que, agora, quando olho para as nuvens, quase vejo o arco-íris...

quarta-feira, abril 28, 2010

AMIGOS,1


Pessoas que não desistem de me fazer sonhar...

domingo, abril 25, 2010

Liberdade é poder levantar-me e dizer um poema.









Mais uma noite mágica, na esdas...e um imenso orgullho nos meus alunos de teatro!







domingo, abril 18, 2010

Leituras, V



Andava sempre consigo, o pano. Dera-lho o avô, o melhor tocador de bombo que Trás-os-Montes conhecera. Tinha nove anos e nunca mais o largou. Motivo de grandes zaragatas com a mãe que cismava que o havia de lavar todas as semanas, com os lençóis, o pano acompanhou-o para todo o lado, escondido. Foi só aos vinte anos,  quando decidiu o seu caminho, que, inconscientemente, o tirou do bolso e, pela primeira vez, nele guardou o sal da música. Ontem, quando se preparava para mergulhar, uma vez mais, no pano, não conseguiu disfarçar a perplexidade de ver o ar de orgulho do seu avô a surgir, como uma melodia. 

Foto e texto
sandra cardoso
(baterista Jorge Oliveira)

quinta-feira, abril 08, 2010

Chegar ao final de um livro tem sempre um sabor agridoce...as personagens, que até então faziam parte da nossa vida, deixam repentinamente de existir e é como se morressem. E precisamos de um tempo de luto para nos despedirmos daquele livro e para partirmos para outro... Deixo aqui momentos mágicos de " a mecânica do coração"

"A mulher mete-me o pequeno relógio por baixo da pele e começa a ligar as engrenagens às artérias do coração"(p.13)
"Chega a cantar até de manhã, acariciando-me docemente as engrenagens com as pontas dos dedos. "O amor é perigoso para o teu coraçãozinho", repete ela hipnoticamente."(p.21)

"Gostaria de ser uma águia-real ou um alcatraz majestosamente calmo, mas afinal sou um canário stressado, presa dos seus sobressaltos."
"-O teu coração não passa de uma prótese, é mais fraco do que um coração norma e será sempre assim. O mecanismo de um relógio não é como os tecidos, não filtra tão bem as emoções."(p27)

"Estou apaixonado e não sei nada do amor. Então fico furioso, luto comigo próprio e por vezes até tento acelerar ou abrandar o tempo." (p.55)

"- Se tiveres medo de uma avaria, aumentas as hipóteses, justamente, de uma avaria. Vê os acrobatas, por exemplo: achas que eles pensam que vão cair quando andam na corda bamba? Não, aceitam o risco e gozam o prazer que o perigo lhes proporciona. Se passares a vida a ter cuidado para não partires nada, vais-te aborrecer muito, sabes?"
" ...a única maneira (...) que te permite seduzir a mulher dos teus sonhos é justamente usares o teu coração. Não esse em forma de relógio que te puseram à nascença. Estou a falar do verdadeiro, o que está por baixo, de carne e sangue, que vibra." (p.56)

quarta-feira, abril 07, 2010


Tal como um sonho, fantástico ...

sábado, março 13, 2010

Diálogos soltos, 16

- Estás zangada comigo?
- Não, estou zangada comigo.

sexta-feira, março 12, 2010

Sandra Cardoso


Cobarde, porque murmuras todo o dia no teu coração a palavra do amor?
Porque falas dela incessantemente,
a toda a hora, a qualquer hora
Excepto quando estás presente em carne e ossso?
Deixa-te disso, homem,
vai ter com ela, e tenta portar-te como se falasses a sério.

Anónimo
Egipto, (1567-1085 a.C.)

quinta-feira, março 04, 2010


o Outono visto pela janela


na casa onde nasci havia sons e cheiros meus

as pessoas que os tinham emprestavam-mos à memória

e eu incluía-os como amigos íntimos

nesta não tem gente

ou se tem não têm cheiro

nem som porque eu não me lembro

gastei toda a memória nas pessoas antigas

e o espaço para as novas é um T1 que fica muito para além do T

onde eu estou sem visitas

fechado à medida de não deixar entrar

preciso do que já foi como do próximo ar para me lembrar que foi bom

eu já fui bom

agora não sei

mas já fui

juro que fui

e quero gastar as únicas energias a fazer manutenção às memórias

p’ra que nenhuma se perca

era pena

é que até a gente que me fez por dentro como a um cofre já não existe

e quero mantê-los ligados à máquina para sempre

e a máquina sou eu

e para sempre sou eu

anda

aconchega-te no mofo do T1

finge que és de antigamente para te dar os beijinhos de quando era pequenino

cheiras à minha avó

à roupa no estendal

à canção do fim dos bonecos

ao banho que está a ficar frio

ao grito do granizo do dia mais longo em que a casa esteve para cair

tu cheiras e sabes ao dia em que a casa esteve para cair

que foi no mesmo dia em que resistiu

como se estivesse ali desde o início dos tempos

e os tivesse começado para eu os acabar

acabar

acabar

acaba comigo que me falha a lembrança

e restas-me como a folha que esteve para cair

e que só não caiu porque o mundo acabou antes do Outono





in a verdade dói e pode estar errada
 
João Negreiros

domingo, fevereiro 21, 2010

portugal


Lembrar-me-ei de ti assim
aguarela de crepúsculo eterno
e por mais que me queiram
arrancar este abraço
as minhas raízes crescem para ti
dás-me água e terra e voz
e não quero jamais
libertar-me dos teus braços
E se algum dia me vires
a sonhar com outros mares
lembra-me que há céus sem estrelas
e canta-me uma canção ao ouvido
que me faça adormecer no teu colo


sandra cardoso
poema e foto

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

domingo, fevereiro 14, 2010




sandra cardoso

respirar só se torna aceitável
porque vives em mim
mesmo que por instantes julgues
que não me pertences
não há ninguém que me roube
a certeza de me ver
em cada sorriso teu
mesmo quando sei
que vibras ao sol de outra clave
(por simpatia, dizes tu)
não há ninguém que me roube
a certeza de que vives em mim

sandra cardoso

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Diálogos Soltos, 15

- Queres vir tomar café?
- Agora, já é muito tarde.

terça-feira, maio 19, 2009

Leituras IV

Pinto da Silva





Sempre achara a porta daquele café pesada. Mas, naquele dia, essa sensação ainda se tornara mais evidente ... talvez fosse a decisão que tomara que lhe enfraquecera os braços ou talvez fosse o destino a mostrar-lhe o desacordo com a sua decisão. Mas nada a desviaria do seu caminho. Respirou fundo e empurrou de uma só vez a porta. E nem sequer foi preciso procurar, pois os seus olhos sabiam o caminho de cor, tal foram os anos que sonhara aquele momento. Sabia exactamente quantos passo dar até à cadeira, como arrastá-la, como sentar-se e até como colocar as mãos ... Só não sabia que o olhar dele não lhe ia deixar sair nenhuma palavra, murmúrio ou som. Ficaram a olhar-se em silêncio, um silêncio gerado por desejos sonhados há anos ... Não deram conta do tempo passar, do empregado limpar o chão e das luzes se apagarem.




Vamos fechar! foi a frase que os trouxe novamente ao corpo. Levantaram-se os dois, lado a lado pela primeira vez. Ele abriu a porta. Ela saiu. Ele saiu. Ele viu-a a afastar-se. Ainda tentou chamá-la, mas sabia que não tinha as palavras certas.








domingo, maio 10, 2009

Dia da Mãe

O presente que recebo todos os dias, vê-los crescer.

quinta-feira, abril 23, 2009

Lugar

Cecy G




Não me peças que more aqui,
Por favor,
Não me peças!
Pede-me que voe contigo para um outro lugar
Onde o sol ilumine versos brancos
E a voz das estrelas me aconchegue nos teus braços
Pede-me, pede-me que vá morar lá
Nessa pedra salgada onde nos levantámos
Pede-me que volte para o meu barco
Eu eu prometo soltar uma vela de versos
Para te guiar até mim...
Não me peças que more aqui,
Por favor,
Não me peças!

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Vidas Minadas

Já se sabe que uma imagem vale mil palavras ... mas não há palavras que cheguem para estas.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

Fragmentos 5

Não é que não gostasse de regressar, tinha a certeza absoluta que aquele era o caminho, mas não sabia o que fazer àquela amizade condenada à nascença.

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Leituras, III

Passava um dia pelo jardim da Boavista quando a imagem a surpreendeu. Sentado num banco, um homem melancólico. Pousado ao seu lado, um nariz de palhaço. Uma imagem perfeita , um momento único. Rapidamente tirou a máquina da carteira, traçou a objectiva e só não carregou porque o homem lhe perguntou:
- Quer tirar ao homem ou ao palhaço?
-Ao homem.
Então ele pôs o nariz vermelho na sua cara e sorriu para a objectiva.

sexta-feira, janeiro 30, 2009

Gervasio Sánchez

Gervasio Sánchez


Discurso de Gervasio Sánchez (jornalista e fotógrafo) vencedor do prémio Ortega y Gasset




Estimados miembros del jurado, señoras y señores:Es para mí un gran honor recibir el Premio Ortega y Gasset de Fotografía convocado por El País, diario donde publiqué mis fotos iniciáticas de América Latina en la década de los ochenta y mis mejores trabajos realizados en diferentes conflictos del mundo durante la década de los noventa, muy especialmente las fotografías que tomé durante el cerco de Sarajevo. ….

Quiero dar las gracias a los responsables de Heraldo de Aragón, del Magazine de La Vanguardia y la Cadena Ser por respetar siempre mi trabajo como periodista y permitir que los protagonistas de mis historias, tantas veces seres humanos extraviados en los desaguaderos de la historia, tengan un espacio donde llorar y gritar.No quiero olvidar a las organizaciones humanitarias Intermon Oxfam, Manos Unidas y Médicos Sin Fronteras, la compañía DKV SEGUROS y a mi editor Leopoldo Blume por apoyarme sin fisuras en los últimos doce años y permitir que el proyecto Vidas Minadas al que pertenece la fotografía premiada tenga vida propia y un largo recorrido que puede durar décadas.

Señoras y señores, aunque sólo tengo un hijo natural, Diego Sánchez, puedo decir que como Martín Luther King, el gran soñador afroamericano asesinado hace 40 años, también tengo otros cuatro hijos víctimas de las minas antipersonas: la mozambiqueña Sofia Elface Fumo, a la que ustedes han conocido junto a su hija Alia en la imagen premiada, que concentra todo el dolor de las víctimas, pero también la belleza de la vida y, sobre todo, la incansable lucha por la supervivencia y la dignidad de las víctimas, el camboyano Sokheurm Man, el bosnio Adis Smajic y la pequeña colombiana Mónica Paola Ojeda, que se quedó ciega tras ser víctima de una explosión a los ocho años.Sí, son mis cuatro hijos adoptivos a los que he visto al borde de la muerte, he visto llorar, gritar de dolor, crecer, enamorarse, tener hijos, llegar a la universidad. Les aseguro que no hay nada más bello en el mundo que ver a una víctima de la guerra perseguir la felicidad.

Es verdad que la guerra funde nuestras mentes y nos roba los sueños, como se dice en la película Cuentos de la luna pálida de Kenji Mizoguchi.Es verdad que las armas que circulan por los campos de batalla suelen fabricarse en países desarrollados como el nuestro, que fue un gran exportador de minas en el pasado y que hoy dedica muy poco esfuerzo a la ayuda a las víctimas de la minas y al desminado.

Es verdad que todos los gobiernos españoles desde el inicio de la transición encabezados por los presidentes Adolfo Suarez, Leopoldo Calvo Sotelo, Felipe González, José María Aznar y José Luis Rodríguez Zapatero permitieron y permiten las ventas de armas españolas a países con conflictos internos o guerras abiertas.Es verdad que en la anterior legislatura se ha duplicado la venta de armas españolas al mismo tiempo que el presidente incidía en su mensaje contra la guerra y que hoy fabriquemos cuatro tipos distintos de bombas de racimo cuyo comportamiento en el terreno es similar al de las minas antipersonas.Es verdad que me siento escandalizado cada vez que me topo con armas españolas en los olvidados campos de batalla del tercer mundo y que me avergüenzo de mis representantes políticos.

Pero como Martin Luther King me quiero negar a creer que el banco de la justicia está en quiebra, y como él, yo también tengo un sueño: que, por fin, un presidente de un gobierno español tenga las agallas suficientes para poner fin al silencioso mercadeo de armas que convierte a nuestro país, nos guste o no, en un exportador de la muerte.

Muchas gracias.


segunda-feira, janeiro 26, 2009

To my sister, Paula

sandra cardoso

a tua ausência em mim é de sempre
e não é culpa que sinto ao ocupar o teu lugar
mas somente dor de saber
tudo o que não vivemos juntas
fot. carnegie museum of art
pittsburgh, janeiro 2009

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Fragmentos, 3

Sandra Cardoso

Se fechasse os olhos quase conseguiria sentir o Douro, como daquela vez em que nenhum oceano impediu o rio de lhe cantar uma canção de amor ao ouvido.

Foto: Pittsburgh, Janeiro 2009

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Kate Winslet Best Actress Drama

Confesso que no início fiquei indecisa: estaria tudo programado ou era mesmo espontâneo...mas depois as dúvidas dissiparam-se, naturalmente. E tornou-se inesquecível, para mim.

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Discurso Perante a Real Academia Sueca

Um discurso para toda a minha vida...
PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA
josé saramago
"O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia. Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo. Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa. Ainda que fossem gente de bom carácter, não era por primores de alma compassiva que os dois velhos assim procediam: o que os preocupava, sem sentimentalismos nem retóricas, era proteger o seu ganha-pão, com a naturalidade de quem, para manter a vida, não aprendeu a pensar mais do que o indispensável. Ajudei muitas vezes este meu avô Jerónimo nas suas andanças de pastor, cavei muitas vezes a terra do quintal anexo à casa e cortei lenha para o lume, muitas vezes, dando voltas e voltas à grande roda de ferro que accionava a bomba, fiz subir a água do poço comunitário e a transportei ao ombro, muitas vezes, às escondidas dos guardas das searas, fui com a minha avó, também pela madrugada, munidos de ancinho, panal e corda, a recolher nos restolhos a palha solta que depois haveria de servir para a cama do gado. E algumas vezes, em noites quentes de Verão, depois da ceia, meu avô me disse: "José, hoje vamos dormir os dois debaixo da figueira". Havia outras duas figueiras, mas aquela, certamente por ser a maior, por ser a mais antiga, por ser a de sempre, era, para toda as pessoas da casa, a figueira. Mais ou menos por antonomásia, palavra erudita que só muitos anos depois viria a conhecer e a saber o que significava... No meio da paz nocturna, entre os ramos altos da árvore, uma estrela aparecia-me, e depois, lentamente, escondia-se por trás de uma folha, e, olhando eu noutra direcção, tal como um rio correndo em silêncio pelo céu côncavo, surgia a claridade opalescente da Via Láctea, o Caminho de Santiago, como ainda lhe chamávamos na aldeia. Enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com as histórias e os casos que o meu avô ia contando: lendas, aparições, assombros, episódios singulares, mortes antigas, zaragatas de pau e pedra, palavras de antepassados, um incansável rumor de memórias que me mantinha desperto, ao mesmo tempo que suavemente me acalentava. Nunca pude saber se ele se calava quando se apercebia de que eu tinha adormecido, ou se continuava a falar para não deixar em meio a resposta à pergunta que invariavelmente lhe fazia nas pausas mais demoradas que ele calculadamente metia no relato: "E depois?". Talvez repetisse as histórias para si próprio, quer fosse para não as esquecer, quer fosse para as enriquecer com peripécias novas. Naquela idade minha e naquele tempo de nós todos, nem será preciso dizer que eu imaginava que o meu avô Jerónimo era senhor de toda a ciência do mundo. Quando, à primeira luz da manhã, o canto dos pássaros me despertava, ele já não estava ali, tinha saído para o campo com os seus animais, deixando-me a dormir. Então levantava-me, dobrava a manta e, descalço (na aldeia andei sempre descalço até aos 14 anos), ainda com palhas agarradas ao cabelo, passava da parte cultivada do quintal para a outra onde se encontravam as pocilgas, ao lado da casa. Minha avó, já a pé antes do meu avô, punha-me na frente uma grande tigela de café com pedaços de pão e perguntava-me se tinha dormido bem. Se eu lhe contava algum mau sonho nascido das histórias do avô, ela sempre me tranquilizava: "Não faças caso, em sonhos não há firmeza". Pensava então que a minha avó, embora fosse também uma mulher muito sábia, não alcançava as alturas do meu avô, esse que, deitado debaixo da figueira, tendo ao lado o neto José, era capaz de pôr o universo em movimento apenas com duas palavras. Foi só muitos anos depois, quando o meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa não poderia significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar as estrelas maiores e menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer". Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza revelada. Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com porcos como se fossem os seus próprias filhos, gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver."

segunda-feira, dezembro 29, 2008

Natal

Cristina Afonso

numa outra hora


um mesmo amanhecer


nostalgia desenhada a carvão


ovulação do ser.



Sandra Cardoso

sábado, dezembro 20, 2008

Encantadora

Lúcia Letra
Artigo redigido por uma menina de 8 anos e publicado no Jornal do Cartaxo.

"Uma Avó é uma mulher que não tem filhos, por isso gosta dos filhos dos outros. As Avós nao têm nada para fazer, é só estarem ali. Quando nos levam a passear, andam devagar e não pisam as flores bonitas nem as lagartas. Nunca dizem "Despacha-te!". Normalmente são gordas, mas mesmo assim conseguem apertar-nos os sapatos.Sabem sempre que a gente quer mais uma fatia de bolo ou uma fatia maior. As Avós usam óculos e às vezes até conseguem tirar os dentes.Quando nos contam historias, nunca saltam bocados e nunca se importam de contar a mesma história várias vezes.As Avós são as únicas pessoas grandes que têm sempre tempo. Não são tão fracas como dizem, apesar de morrerem mais vezes do que nós.Toda a gente deve fazer o possível por ter uma Avó, sobretudo se não tiver Televisão".