domingo, julho 31, 2011

Diálogos soltos, 19


- Que estás a fazer?
- A pintar as unhas.
- Para quê?

R&S

terça-feira, julho 26, 2011

Paixões


Há aqueles que nem dão conta do tempo passar e há aqueles que dão conta de passar tudo: uma folha que surge repentinamente na janela e, no mesmo instante, desaparece; um pássaro estrangeiro que pousa incauto no parapeito; o som do riso das crianças; o navio que se despede lentamente; o avião que ensaia os voos futuros; o choro da vizinha do lado; os gestos do casal que discute na praia; o assobio da empregada, ... Tobias tinha o que muitos dariam tudo para ter ... tempo. Tempo, tempo e mais tempo... 24 horas vezes 12 anos preso naquela casa... Claro que não lhe faltava nada: tinha comida, bebida, cama e roupa lavada... de que mais precisaria ele..."Quem me dera ser gato! Passar a vida a comer e a dormir!" exclamava frequentemente o seu dono. Mas, se ele soubesse! Se ele passasse dias inteiros sentado no parapeito daquela janela a imaginar como seria o vento a bater-lhe no focinho e a empurrá-lo para trás, como seria  subir a uma árvore e espreitar um ninho ou, simplesmente, como seria correr atrás de um rato! Como seria encontrar alguém e apaixonar-se e, como seria... A sua sorte é que aprendera a ler cedo e, assim, podia entreter-se e entreter o tempo e até, como chegara já a suceder, apaixonar-se verdadeiramente por uma gata, fictícia.

Sandra Cardoso
texto e foto

terça-feira, julho 05, 2011

Dá que pensar, 16

Estranhamente, Beckman parecera aceitar a situação. Erika sempre fora franca em relação aos seus sentimentos por Mikael, e dissera ao marido logo que os dois tinham recomeçado a relação sexual. Talvez fosse preciso ter alma de artista para lidar com uma situação daquelas, alguém tão embrenhado na sua criatividade, ou talvez apenas tão embrenhado na sua própria pessoa, que não se revoltasse ao saber que a mulher dormia com outro homem. Ela chegava inclusivamente a dividir as férias de modo a poder passar duas semanas com o amante  na pequena casa de Sandhamn. Mikael não tinha grande opinião a respeito de Greger, e nunca compreendera o amor de Erika por aquele marido complacente. Mas sentia-se feliz por ele admitir que ela podia amar dois homens ao mesmo tempo.

in Os homens que odeiam as mulheres, Stieg Larsson, Oceanos, junho 2010, pp.62-63